Acaba de passar pela Baía da Engrade uma traineira da frota azul. Provavelmente, vai para o porto do Calhau. Este ano, tem sido diminuta a pesca do atum. Só estes dias é que alguns barcos de boca aberta, pescando frente à Manhenha, tem capturado bonitos, mas peixes pequenos que auguram uma má safra a juntar a tantas outras. Desde os anos 50, as estatísticas da pesca do atum registam anos de fracas capturas que originaram o encerramento de fábricas, o abate de muitas traineiras e o declínio da indústria naval. Outrora, as embarcações percorriam milhas e milhas para descarregar e abastecer num porto, que havia muito poucos em condições. Hoje, o que não falta são portos de pesca bem apetrechados. Faltam, sim, tunídeos que passam onde e quando querem, à revelia dos pescadores que no estio, acreditam sempre que este ano será melhor que o anterior.
No canal Pico-São Jorge, viajam apenas alguns cargueiros.
Nestas noites de Agosto, com um luar meio envergonhado, os seus faróis detectam-se, facilmente, rumo a São Miguel ou à Terceira, e pouco mais se observa.
Antigamente, na véspera dos dias 13, do balcão da nossa adega, era bem visível o cruzeiro iluminado instalado junto à Matriz da Calheta de São Jorge. A primeira vez que o vi de perto, recordei os tempos de menino, quando a Madrinha Maria Lopes nos chamava para rezar o terço, à luz da vela, e cumprir uma longa tradição que a religiosidade popular vai esquecendo...
Durante as celebrações religiosas dos padroeiros, já não se nota a mesma unção dos que acorriam às igrejas e lá permaneciam enquanto decorriam as extensas e acaloradas missas solenes cantadas, com pregadores de fora e canticos em latim que muito poucos entendiam sem questionar.
As mudanças litúrgicas introduzidas há mais de 30 anos, decorrentes do concílio do Vaticano II, não impediram que muitos se tenham afastado da crença de seus pais. Presentemente, a prática religiosa reduziu-se drasticamente e, sobretudo os jovens, dificilmente, entram nas portas das Igrejas. Outros tempos, novos valores - questionáveis, certamente -, que levantam novos problemas a pais, educadores e aos idosos.
Ainda hoje, alguém que já teve responsabilidades autárquicas, confidenciava-me que esta Ponta da Ilha tem um grave problema que suplanta a falta de população, a distância de centros urbanos, e até a crise económica: o tráfego de drogas pesadas e leves. Num meio pequeno como este, quem conhece bem o meio, admira-se do rodopio de gente que passa por aqui para comprar “producto”.
As autoridades dizem-se impotentes para enfrentar a situação e a população, não sabendo a quem recorrer, interroga-se sobre o futuro de tantos jovens que caem nas malhas dos estupefacientes e arruinam suas vidas e de suas famílias.
Se a solução passa sobretudo pela prevenção, importa que se encare a situação de frente e se encontrem respostas saudáveis para tanta gente que, nas margens da vida e da sociedade, vive acorrentada a vícios que degradam a personalidade, as famílias e a sociedade.
Contrariando este flagelo, vale-nos a qualidade ambiental que aqui se desfruta e que procuram nacionais e estrangeiros.
Diariamente, passam por estes caminhos além, a pé ou de carro, estrangeiros e nacionais. Muitos são emigrantes, de visita à sua terra natal. Vieram sem os filhos a quem pouco ou nada diz o torrão natal de seus pais, nem as modernas e confortáveis residências que construiram nos locais de veraneio, ao lado de antigas adegas onde se faz e guarda o vinho.
O Pico, no verão, enche-se de gente. Quase duplica a população - dizia-me um empresário rural. - É bom para nós. O pessoal compra, gera-se movimento. O pior é depois. Chega-se a Outubro e a ilha fica vazia. Não aparece ninguém nessas ruas, mas temos de manter o mesmo pessoal e os mesmos encargos. É assim. Precisávamos de ter mais gente, mais gente!
Quem aqui passa, habitualmente, o verão, nota que muito mudou nesta ilha. Melhorou e aumentou a oferta hoteleira, sobretudo no turismo em espaço rural; há mais e melhores ofertas no comércio, na indústria e nos serviços. Os serviços públicos dão respostas satisfatórias e mesmo a saúde deu passos significativos no atendimento e meios de diagnóstico.
Muito há a fazer? É verdade, mas importa que os cidadãos não deixem de intervir e de propôr soluções para as questões que os afectam. Esta foi a razão encontrada por um visitante continental para explicar a qualidade da paisagem rural picoense e o aspecto degradado do ambiente natural e humano da Beira Interior. Os estrangeiros observarão outros aspectos positivos e negativos que a imprensa internacional tem valorizado e dado a conhecer: a qualidade ambiental e paisagística e a superior qualidade da canabis. Infelizmente, duas faces da mesma moeda.
É assim o Pico.
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